Nos reluzentes corredores do universo das criptomoedas, uma tempestade está se formando, tendo a FTX como seu tumultuoso núcleo. Mas o furacão não se restringe apenas a transações financeiras com moedas criptografadas. Trate-se de um furacão muito mais uivante, que abrange luxuosos apartamentos nas Bahamas, endossos de celebridades multimilionárias e alegações provocantes de estilos de vida pouco convencionais. Um enredo e tanto, diga-se de passagem, apesar de que há cerca de um mês burburinhos sobre a vida pessoal dos acionistas e executivos da plataforma de criptomoedas começaram a ser descartados como fofocas sensacionalistas.
Mas, quando esses rumores se entrelaçam com alegações de fraude corporativa, fica impossível ignorá-los. Especialmente quando giram em torno de Sam Bankman-Fried, o prodigioso fundador da FTX que logo entrará em cena. Seu julgamento, que começa nessa terça-feira (03), em termos de impacto no setor financeiro e atenção da mídia, é um dos mais aguardados desde o caso Madoff. E as imputações em jogo podem deixá-lo atrás das grades por décadas, com penas máximas de 115 anos.
A FTX, que quebrou em novembro de 2022, gerou um prejuízo estimado, por baixo, em US$ 8 bilhões (R$ 40,5 bilhões). A fortuna pessoal de Bankman-Fried sofreu um golpe devastador, caindo de US$ 24 bilhões (R$ 121,4 bilhões) para meros US$ 4 milhões (R$ 20,2 milhões) em um intervalo de menos de doze meses. Atores do universo das finanças, que raras vezes viram tamanha ‘quase aniquilação’ de riqueza, observam atentos a reviravolta incessante.
Bankman-Fried, outrora saudado como o bilionário mais jovem do mundo pela Forbes e gênio das criptomoedas, está no centro do intenso escrutínio. Suas parcerias anteriores com Gisele Bündchen, em campanhas publicitárias brilhantes defendendo o potencial benéfico das criptomoedas, agora lançam sombras sobre várias reputações. O próprio fato de que Bündchen perdeu impressionantes US$ 25 milhões (R$ 126,5 milhões) devido à sua associação com a FTX, conforme revelado meses atrás, está entre as implicações do imbróglio que ganha, dia após dia, maior dimensão.
E é o brilho das colaborações com famosos que pode estar fazendo sombra ao que mais importa. E um que, de certa forma, começou a reluzir com a impactante campanha publicitária da FTX em meados de 2022, que trazia a supermodelo brasileira e Bankman-Fried em destaque, algo pensado para ser muito mais do que apenas marketing. Foi idealizado como uma declaração de que a criptomoeda poderia catalisar uma “mudança positiva”, ironicamente. No entanto, o lançamento da peça publicitária em revistas renomadas como Vogue, GQ e Vanity Fair, agora contrasta com um pano de fundo de fofocas perturbadoras e a preocupante bancarrota em pauta.
O coração desse drama pulsa em um suntuoso apartamento de US$ 40 milhões (R$ 202,4 milhões) nas Bahamas, conhecido como ‘The Orchid’. Histórias de insiders, como Aditya Baradwaj, ex-engenheiro da Alameda Research, uma empresa-irmã da FTX já fechada, contrastam fortemente com os boatos salientes sobre orgias e relações poliamorosas atribuídos ao ambiente de trabalho da corretora cripto que pipocam na mídia internacional. Segundo ele, se álcool era introduzido no cenário, o que se seguia eram jogos de tabuleiro, não aventuras lascivas.
Bankman-Fried e sua ex-namorada, Caroline Ellison, anteriormente à frente do extinto fundo hedge da FTX, por sua vez enfrentam alegações de liderar uma suposta comunidade poliamorosa, mas Baradwaj tem dito em entrevistas que testemunhou uma imagem contrastante. De acordo com ele, cinco casais, incluindo o formado por Ellison e Bankman-Fried, habitavam o tal The Orchid, espécie de ‘apê-balada privée’. Como eram suas noites? Basicamente, sempre marcadas por hackathons geeks, jantares e Roleplays de Ação ao Vivo (LARPs), ao invés das ‘promiscuidades’ propagadas em manchetes.
Mas essa versão dos fatos igualmente suscita dúvidas. Se os líderes da FTX eram realmente tão nerds e inofensivos como Baradwaj os descreve, por que toda esse frenesi midiático? Por que essas histórias extravagantes de noites regadas a drogas e comportamentos hedonistas são contadas? E, mais importante, se são inverdades, que as inventou? Possivelmente, a resposta deve estar em algum lugar no meio. E tanto nas desventuras profissionais quanto nas supostas indulgências pessoais de seus executivos.
As que teriam sido inventadas sobre a The Orchid, como Ellison orquestrando uma reencenação LARP da fundação do resort Baha Mar, sugerem uma peculiar mistura de intelecto, ambição e fantasia, entrelaçadas com possíveis planejamentos criminais. Com o caso FTX prestes a começar no tribunal, os olhares se voltam não apenas para essas supostas práticas fraudulentas de Bankman-Fried e seus chegados, mas também para a cultura única da empresa – uma cultura que pode ter confundido as fronteiras entre inclinações pessoais e ética profissional. E aí, o xis da questão.
Entre as areias brancas e as águas turquesa das Bahamas, o imaculado complexo hoteleiro e residencial Albany, frequentemente descrito como o epítome do luxo, com um resort seletíssimo e um condomínio residencial mais ainda, nunca havia presenciado algo como a equipe da FTX. Liderados pelo enigmático Bankman-Fried, conhecido coloquialmente como SBF, ela contrastava fortemente com as elites tradicionais do paraíso bahamense. Ao invés de sapatos polidos e jaquetas esportivas, a turma da falida companhia passeava com trajes casuais, evocando mais um ambiente ‘cool’ de startup do Vale do Silício do que um retiro bancado por bilionário.
A The Orchid seria o epicentro de toda essa atividade. Era lá que os funcionários, alegadamente liderados pela alta cúpula da trader, se envolviam em negociatas que seriam impensáveis para a maioria das elites corporativas. Dizem insiders que em seu meio alguns viam o estilo de operação da FTX como revolucionário, e outros como pura devassidão. Um consenso: tinha tudo pra ser uma cortina de fumaça. E Baradwaj, o ex-funcionário delator que garante nunca ter presenciado noites preenchidas não com soirées selvagens, mas com as brincadeiras em grupos já descritas, seria um agitador de névoa.
No fim das contas, a alegação mais prejudicial contra a FTX não era nem sobre esses desvios morais em sua cultura interna. Era má conduta financeira mesmo. E agora que os detalhes começarão a surgir, a extensão da suposta fraude ficará mais assombrosa. Ellison, a ex de SBF, possivelmente logo ficará mais famosa em razão de suas postagens online no passado, muitas deletadas, ainda assim tratadas como provas materiais de malfeitos tanto por sua defesa quanto pela acusação dele.
Fora dos limites do tribunal, Bündchen, estrela made in Brazil que sempre teve uma aura de mulher de negócios, pode ter sofrido mais do que um revés financeiro. A colaboração som SBF, que adorava tirar selfies com ela, arrastou seu nome para as águas turvas do escândalo multibilionário, assim como também o fez com Tom Brady, seu ex-marido. E isso ainda pode ter influenciado no chocante divórcio dos dois.
Os mundos da tecnologia e das finanças – o Vale do Silício e Wall Street, por assim dizer – observam os capítulos dessa novela mesclada com thriller com o fôlego contido. Assim como gigantes da meca tech e investidores hollywoodianos, muitos dos quais haviam apoiado a FTX a fim de aumentar o valor de suas próprias marcas, ambos agora enfrentam um pesadelo em termos de branding. E neles nesse momento, há muita especulação sobre como essa trama deve remodelar o mundo cripto e quais serão os próximos vilões a cair.
A queda de SBF, de 31 anos, foi mais rápida que sua ascensão meteórica. Uma vez o rosto da nova era financeira, sua credibilidade virou frangalhos. Até os pais o processam. Ainda assim, mesmo entre esses altos e baixos, o ex-bilionário (e, ainda, um milionário) permanece desafiador. Aparentes vazamentos de seu acampamento sugeririam um homem que estaria pouquíssimo disposto a ceder sem lutar.
Um veredicto final não está no horizonte, já que um caso separado ligado a esse tem data prevista para levar SBF ao banco dos réus novamente em março de 2024. Por ora, só uma coisa parece clara: a saga FTX não se resume a um ‘erro 404’ corporativo.
Há em suas entrelinhas um reflexo do tumultuado mundo das moedas digitais, quem realmente lucra com elas, e um conto de advertência sobre ambição desenfreada que ecoa um velho ditado conhecido entre financistas: nem tudo que reluz é ouro, sendo o ouro em questão, de fato, o metal nobre que todos conhecem, que é bem real e analógico.
E, sim, todos esses personagens, de Bündchen a Bankman-Fried, devem estar com suas espadas em punho e treinando a respiração, enquanto se pintam para a guerra declarada, focados em seus espelhos.