Após três anos trabalhando no Google, um profissional deixou a companhia, mas não antes de afirmar que a gigante de buscas está “lentamente parando de funcionar”. As críticas foram muitas, com quatro principais pontos que merecem o destaque. Segundo o ex-funcionário, a empresa atualmente “não tem uma missão, não tem urgência, oferece desilusões de excepcionalidade e sofre de má gestão“. Contudo, ele acredita que há esperança.
Durante o seu tempo no Google Cloud, Praveen Seshadri percebeu que não estava fazendo a diferença que tanto almejava. Sua visão sobre a companhia americana mudou rapidamente, o fazendo comparar os muitos funcionários como ratos de laboratório.
O Google tem mais de 175 mil funcionários capazes e bem remunerados que fazem muito pouco trimestre após trimestre, ano após ano. Como ratos, eles estão presos em um labirinto de aprovações, processos de lançamento, revisões jurídicas, avaliações de desempenho, avaliações executivas, documentos, reuniões, relatórios de bugs, triagem, OKRs, planos H1 seguidos por planos H2, cúpulas gerais e reorganizações inevitáveis.
O ex-funcionário também aponta que o “queijo” que é oferecido aos profissionais são “promoções, bônus, comida chique e vantagens extravagantes”. Entretanto, qualquer senso de satisfação pessoal e o nível do impacto de seus trabalhos é altamente colocado de lado pela marca. É como se o foco fosse “faça sua função e não balance o barco”.
Ou seja, para Praveen Seshadri, o Google poderia e deveria ser diferente dos demais, mas acaba seguindo por uma linha padrão que é feita para agradar outros “Googlers” e investidores. Nada mais do que isso.
Por esse motivo, ele apontou os quatro problemas mencionados no início do texto: falta de missão, falta de urgência, desilusões de excepcionalidade e má gestão.
Quem o Google serve?
É comum ver companhias focarem seus esforços para agradar e servir sua base de funcionários. Contudo, quando uma marca alcança números gigantescos e passa a ter investidores de peso, as coisas mudam.
Em seu relato no Medium sobre os problemas do Google, Praveen Seshadri aponta que poucos funcionários vão ao trabalho pensando que eles servem aos usuários da plataforma.
Eles geralmente servem a algum processo (“Sou responsável por revisar o design de privacidade”) ou alguma tecnologia (“Mantenho o sistema de CI/CD funcionando”). Eles servem ao seu gerente ou vice-presidente. Eles servem outros funcionários.
Assim, todo o loop de feedback acaba se focando no que os empregados e gerentes pensam do seu trabalho.
O criador da série de quadrinhos Goomics, um ex-engenheiro do Google chamado Manu Cornet, já divulgou diversas histórias que destacam a falha no processo de avaliação de funcionário, pois ela não correlaciona o sucesso do produto ou a “felicidade do usuário” com o avanço na carreira pessoal.
Como resultado, alguns produtos são sacrificados ou ignorados enquanto os funcionários se concentram em serem promovidos.
Além disso, o autor acredita que dois dos valores da empresa: “respeite o usuário” e “respeite a oportunidade” não são levados na prática. Na opinião de Praveen Seshadri, a verdade é que a marca “respeita o risco”.
Em outras palavras, ele afirma que há muita burocracia para tentar algo diferente, fazer algo novo e, até mesmo, para discordar de colegas e líderes. É como se a ideia fosse fazer o “arroz com feijão” e só tentar jogar um “ovo frito” no prato se todos acima de você aprovassem previamente.
Lideranças diminuem expectativas
Mais uma vez, o ex-funcionário não acredita em um dos valores do Google. Isso porque ele define a ideia como algo assim:
‘Respeitar uns aos outros’ pode ser traduzido como ‘encontrar uma maneira de incluir e concordar com a opinião de cada pessoa’.
Ele quer dizer que é necessário receber a aprovação de “pessoas demais” para que alguma decisão seja tomada. Os líderes dos times suportam esse pensamento, pois seguram as expectativas e travam tentativas de “heroísmo” por parte dos membros de suas equipes.
Há documentos que ridicularizam explícita e orgulhosamente o “heroísmo” e afirmam que não apenas as equipes de produto não devem encorajar os “heróis”, mas também devem dissuadi-los ativamente. Se alguém optar por trabalhar duas vezes mais do que se espera dele, geralmente será impedido de fazê-lo porque precisa trabalhar com outras pessoas e isso forçaria os outros a trabalharem mais também.
Essa falta de urgência e má gestão que Praveen Seshadri aponta acaba desanimando muitos profissionais mais ativos e interessados em progredir. Ele destaca que essa cultura faz que nada realmente valha a pena lutar, transformando os empregados em puramente ratos.
Mas há esperança
O Google não está perdido da mesma forma que tantos de seus projetos. No entanto, ele precisa mudar a cultura, começando pela mentalidade.
Isso é o que Praveen Seshadri acredita ao dizer que “a companhia não pode mais buscar o sucesso evitando riscos. O caminho a seguir deve começar com a mudança de cultura e isso deve começar no topo”.
Na opinião do profissional, a gigante de buscas precisa ter lideranças com missões claras, muito acima do “ganhar dinheiro” ou “de criar tecnologia”. Ela tem que ser sobre mudar o mundo efetivamente para os usuários reais e não apenas investidores.
Outra necessidade é a de parar de prometer e entregar de maneira insuficiente. Ser uma marca ambiciosa e mais urgente poderia ajudar muito a jornada do Google daqui pra frente. Não precisa apenas promover a paz, mas sim adicionar pontos para que a equipe lute junta para conseguir.
Por fim, mudar a cabeça de funcionários e gerentes também é algo importante. Arriscar mais e reconhecer o “heroísmo” pode trazer novas ideias e inovações, algo que o autor acredita que está faltando na gigante de buscas.
A divisão de Android, por exemplo, é famosa por trazer a sensação de que ela “não faz parte do Google”. Isso porque essa equipe tenta muito mais, é mais produtiva e estável do que todas as outras áreas da companhia. Segundo Steve Yegge, outro autor que já trabalhou na empresa.
Ela poderia ser um ponto de partida para mudanças reais no Google.
Com informações: ARS Technica.